Em suas preleções, Jesus foi muito incisivo sobre a necessidade de o ser humano se desvincular das amarras familiares, visto que elas constituem um impedimento ao livre desenvolvimento do espírito. Tão contundente foi ele em relação a isso, que causa espanto ver que o sentido de suas palavras não foi reconhecido.
Certa feita uma mulher, como muitas também presa ao falso conceito de família, querendo expressar sua admiração pelas palavras dele, exclamou: “Bem-aventurada aquela que te concebeu e os seios que te amamentaram!” (Lc11:27). O Mestre retrucou imediatamente: “Antes, bem-aventurados os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam!” (Lc11:28). Esse episódio fala por si. O Filho de Deus aponta para a necessidade imperiosa de se cumprir a Palavra de seu Pai, como pré-requisito indispensável para se alcançar a bem-aventurança, descartando de pronto, como algo totalmente despropositado, a pieguice maternal daquela mulher deslumbrada.
Mas, infelizmente, seus ensinamentos não impediram que nos séculos subsequentes o amor materno, principalmente, fosse decantado como o mais nobre dos sentimentos da mulher, como se a missão suprema da feminilidade fosse gerar filhos para fazer jus a esse sentimento. Com isso, também o casamento foi rebaixado.
O casamento passou a ser visto como um objetivo profissional como qualquer outro, uma conquista que todas as moças tinham de alcançar para se sentir realizadas, a ponto de a mulher de hoje não se envergonhar de tomar o matrimônio por patrimônio. Casar e ter filhos emergiu como única meta de vida de tantas jovens, muitas vezes instigadas pelos próprios pais. Incutiu-se em cada uma dessas infelizes a ideia enganadora de que tornar-se uma consorte na vida é ter uma vida com sorte. Uma concepção falsa, sustentada pela visão de futuras concepções e decorrentes gravidezes.
As odes seculares erguidas em louvor ao amor materno, como se a principal incumbência da feminilidade humana fosse procriar, transformaram-no num fardo doentio que solapa o livre desenvolvimento espiritual, tanto da mãe quanto dos filhos. Àquela faz crer que possui direitos absolutos e permanentes sobre a prole, enquanto que a esses últimos impõe o peso da gratidão eterna, mesmo que frequentemente sob o manto da hipocrisia. Isso, sem falar do asqueroso mercantilismo desse “amor” filial.
O puro e legítimo amor recíproco entre mãe e filho, que floresce apenas quando ambos têm como meta a evolução espiritual (o que já descarta de pronto qualquer interferência indevida de um na vida do outro), foi desconsiderado e desvalorizado, acabando por se extinguir. Em seu lugar surgiu o “amor” obrigatório dos presentes, submetido por inteiro aos grilhões do comércio.
A americana Anna Jarvis, que no início do século XX inadvertidamente criou o Dia das Mães, e que ainda se empenhou pessoalmente para que essa comemoração fosse adotada em outros 43 países, chegou ao fim da vida, no ano de 1948, completamente amargurada com a sua “invenção”. Morreu reclusa, remoída de desgosto e remorso, tendo de presenciar como o seu propósito inicial, aparentemente inócuo e bem-intencionado, se transformara numa aberração comercial de alcance global.
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