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Eu só queria um dedo de prosa com Deus

Conversa comigo mesmo

31/10/2022 às 07h30 Atualizada em 31/10/2022 às 07h33
Por: mariovicente.vicenti Fonte: Autor
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Eu só queria um dedo de prosa com Deus

Sempre ouvi falar que Deus era brasileiro. Será? De qualquer forma, religião nunca foi meu forte. Era meu saudoso pai quem costumava ir à missa aos domingos. Quando criança, eu até ia, na obrigação, mas quando dava, me desviava do caminho. Depois me justificava com ele, Deus, é claro, apostando na inocência de criança. Porém, sempre tive minhas curiosidades e uma delas foi buscar referências espirituais ou de religiosidade. Sempre achei que a alma era um canto sagrado em consonância com nosso corpo e mente.

O assunto me veio à tona, por causa da pandemia. E vai além dela, com certeza, pois tenho visto e ouvido nas redes sociais e nas esporádicas conversas pessoais que a conta vai sempre para Deus. Seja como for e em qualquer circunstância é tudo em nome de Deus: se um fica doente, Deus vai curar. Se um morre, foi Deus quem quis e assim o chamou para um lugar melhor e por aí vai. Se alguém comprou um carro foi com a sua ajuda e se conseguiu o sonho da casa própria então, foi graças a Deus e assim Deus isso, Deus aquilo. Ele deve estar sobrecarregado nessa pandemia, assim como os profissionais da saúde, que se não são deuses, são super-heróis. Parafraseando filósofos e psicólogos, isso está mais para o desengajamento moral porque fica mais fácil passar a responsabilidade no outro.

Não consigo entender por que tanta gente que se diz cristã joga esse fardo em nome de Deus e não assumem nada. Estamos vivendo uma triste pandemia que exige uma atenção mundial à saúde da população e no Brasil, estamos próximos de 500 mil vidas ceifadas por esse vírus implacável. Aqui, parece que muita gente nem quer se responsabilizar pela própria vida, muito menos da do próximo. Pois deveriam. As pessoas de bom senso e os ditos cidadãos de bem, deveria estar na fila da frente dos bons exemplos por respeito a si mesmo e seu semelhante. Mas não. Observe quanta gente andando por aí sem máscara, sem ficar a distância suficiente dentro de um estabelecimento comercial. Não fazem a higiene adequada e desafiam a Lei, as autoridades. É um absurdo pensar que estão desrespeitando espaços e desacreditando cientistas, profissionais da saúde e educadores por opiniões, sem conhecimento.  Falas tão rasas quanto o asfalto de nossas ruas. Pior ainda é que não há um pensamento crítico, pois nem isso eles fazem por conta própria Têm sido massa de manobra de falsas ‘lideranças’ e inomináveis, que jamais darão um bom exemplo. Para esses o que interessa é o caos. # vidas são o que mais importam. Sem ela, não há mais nada, nenhum sentido.

Eu só queria um dedo de prosa com Deus, pois assim como muita gente, sou filho dele, tenho direitos, fui batizado, embora não frequente uma missa a anos, mas pesa a meu favor algumas virtudes. Desde minha adolescência eu coleciono fotos de fachadas de igrejas, gosto de entrar nelas para apreciar a beleza da arquitetura e claro, sussurrar no ouvido dele, pois ali dentro parece ser mais acessível. Também, já li livros sobre Jesus Cristo e fiquei devoto dele, do homem Jesus, do defensor de minorias, assim como sou de São Francisco de Assis, o padroeiro dos animais e de São Thiago, o maior: já fiz a famosa peregrinação pelo Caminho de Santiago de Compostela na Espanha e outras “boas” ações que me julgo apto a estar próximo dele se pensar como muitos.

Sei que agora, não adianta insistir. Ele deve estar preocupado com essas pessoas de bem, afinal, a maioria vive rezando certo? Elas vão à missa ou nos cultos, religiosamente, uma vez por semana, mas eu não. Muitas dessas costumam fazer doações aos pobres, diversos tipos de caridades e ainda por cima, tem gente que é tão fiel que mantém o casamento com a mesma pessoa por décadas, até morrem juntas, mas eu sou divorciado, mais de uma vez.

Então, minha conversa será efêmera, o que teria para lhe dizer não seria nenhuma súplica, mesmo que eu tenha perdido a mãe recentemente e agora, um irmão para o Covid. Não, só queria conversar e saber se ele precisa de alguma coisa, afinal, o fardo deve ser grande e pesado. Imagino, pelo andar da carruagem e da burrice coletiva gadosférica, que ele não está acessível e, não por vontade própria. Quem sabe tapou os ouvidos ou foi embora do Brasil. Deus iria para Cuba? Venezuela, onde mais? Mas aí, ele estaria tendo um delírio comunista, será?

Eu só queria ter um dedo de prosa com Deus. Porém, e pensando melhor, vou deixá-lo em paz e fazer o que sempre fiz na minha religiosidade peculiar: vez em quando aceno, de cabeça, pensamentos e um olhar perdido no horizonte. Em outras faço cumprimento silencioso num ritual de fé e esperança porque no dia a dia mais vale a pena agradecer a vida que se tem do que cobrar ou culpar terceiros, principalmente Deus.

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Mario Vicente
Mario Vicente
Sobre Mário Vicenti. Brasileiro, escritor e jornalista, nasceu em 05 de dezembro de 1960 em Cascavel, Oeste do Paraná. Filho de um amante da música e do futebol, Santos Vicente (in memoriam), que sustentava a família com sua oficina mecânica para bicicleta, motocicletas e também acordeon, e de Alvina Versino (falecida).
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