Quando ele pensa que vai degustar sua refeição à mesa com os seus a coisa se repete. Toca, toca, toca... é aquele som com breve intervalo que remete a nota Sol, mas que não é música pra ouvido nenhum. Irrita. Eu estou ali, assim como agora, aqui com você. Não tem como ser indiferente a esses acontecimentos. Acompanho esse aborrecimento cotidiano. 24 horas atento. Vejo a frustração dele. Assim, vai se alimentar de raiva e ódio. Uma rotina. Sente-se amarrado ao processo. O sistema. Inventaram há séculos pelo poder e aqui, nunca foi tão REAL como agora. Como se padronizassem o futuro.
De repente, alguém corre pra sala antes que o intruso tire o apetite da família. Pedro cansou do desserviço. A conta sempre chega. Vem de várias maneiras e muitas vezes em diferentes valores. Mas ele paga. Depois, pergunta da necessidade. É fixo. Quem usa hoje em dia? Tem a mãe que mora do outro lado da cidade e uma vez na semana quer lhe falar. Parentes distantes, da velha guarda. E as crianças na escola desautorizadas da modernidade, podem ter uma urgência. Elas até aceitam, sem imitações ou pertencimentos. Mas reclamam às paredes do quarto. Continuarão analógicas até idade certa. E qual seria? Eu é que não vou me meter nisso. Sigo numa eternidade de mesmo ritmo, embora alguns, destoam da minha percepção.
Agora, acaba que sou dispensado. Sou deixado de lado. Eles se afastam de mim. Nos perdemos o suficiente ao que seria um abraço, um sorriso, uma conversa atoa na mesa, um conselho de pai, um afago da mãe. Fico fora de foco.
Pior, que não tem ninguém do lado de lá. Máquinas! Automático. Ele escuta por educação. Sem direito a responder. Então percebe que eu estou do seu lado. Desperta e desliga. Chega. Almoço esperando, quase esfria. De volta, Pedro pensa em investir na paz. Colocar uma bina. Mais dinheiro a esposa questiona. E tudo não passa de ofertas relâmpagos. Cliente fiel, antigo. Foi um dos primeiros. Registrou sua demanda na ouvidoria. E nada. É uma insistência sempre no almoço ou perto do jantar. Ele não quer me perder. Nunca quis. Admira-me. Tem consideração. Mas que absurdo! Que país é este? E os direitos, as leis? As agências reguladoras? Ninguém faz nada. Um desaforo, ele pragueja. Só se acumula processos, reclamações, desgastes e a coisa continua. Que coisa isso, hein? Elas não desistem. Operadoras!
Vou além dessa família. Vejo ser comum. Não tem momento certo, só errado. Uma avalanche de ofertas em todos os lares. Ainda tem pesquisas e o engano, que somando vira abuso. Não bastassem esses rompantes na rotina do ser humano, vem a tecnologia, do outro lado e na palma da mão. Tudo rápido, fácil. Uma alegria efêmera que os deixam mais desumanos. Afastam-se de mim. Esquecem-me nas entrelinhas, pelos dedos, nas frestas de luz, nos passeios, restaurantes. Fico ao sabor do vento, na aurora do cais, no arrebol e assim sou dispensado diariamente em quaisquer circunstâncias. Mas eles vivem, em sua maioria, na nostalgia do outrora ou nas promessas do amanhã. Eu continuo sendo hoje, e sempre.
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