Depois de completar seu sétimo mandato como deputado federal, Fagundes Soledade decidiu se aposentar.
É claro que, o deputado estar atuando ou aposentado, não fazia muita diferença, já que praticamente em todos os vinte e oito anos na Câmara dos Deputados, Soledade colecionava recordes de ausências, e nas vezes em que comparecia às sessões, tirava longos cochilos, sendo acordado somente quando tinha alguma votação, ao qual seus companheiros de bancada lhes indicavam em que votar, já que o dorminhoco deputado sequer sabia quais eram as pautas dos projetos em votação.
Entretanto, era chegada a hora de passar o bastão, muito devido à idade avançada e uma constante dorzinha na coluna devido à desconfortável cadeira da Câmara (Soledade tentou substituir sua cadeira por uma confortável poltrona massageadora, mas seu projeto de lei não entrou na pauta de votação porque ele acabou dormindo no plenário no dia de apresentar a proposta).
Agora, a tradição política da família seria passada para seu filho, Fagundes Soledade Filho, que graças ao curral eleitoral do pai (pequenas cidades do interior, onde o deputado entregava alguma ambulância de segunda mão e cestas básicas nas vésperas de eleições), conseguiu se eleger para a mesma cadeira desconfortável do pai no Legislativo Federal.
Um dia antes de ser empossado, o ex-deputado Fagundes Soledade chamou seu filho para uma conversa em seu escritório particular.
— Filho, estou muito orgulhoso por você estar mantendo nossa tradição viva na história política desse país.
— Ora papai, aprendi com o melhor!
— Agora que vai assumir tão importante posição, quero lhe entregar um presente que me foi de incomensurável valia nesses anos todos como deputado federal.
O filho, surpreso e curioso, tenta imaginar qual seria o presente tão importante para seu desempenho na nova empreitada legislativa.
O velho traz uma pequena caixa de camisa envolta com uma fita dourada, ao qual desembrulha delicadamente.
— O que sou hoje – diz o ex-deputado – se deve muito a esse acessório ao qual nunca deixei de usar em meus anos como político.
E retira da caixa uma surrada cueca samba canção.
— Uma cueca? – questiona surpreso, seu filho.
— Não apenas uma cueca. Mas a cueca preparada para o dinheiro.
E vai abrindo vários bolsos embutidos, dos lados, na frente a atrás da cueca.
Haviam bolsos preparados para armazenar grandes quantidades de dinheiro, principalmente, dólares.
Com os olhos marejados de emoção, o deputado Fagundes Soledade Filho abraça seu pai, o ex-deputado Fagundes Soledade, e no calor afetivo do momento, com a voz embargada, agradece seu progenitor.
— Obrigado meu pai. Vou honrar não somente a tradição familiar, mas também, a tradição política desse país. Essa cueca sempre estará repleta de dinheiro das maravilhosas e inesquecíveis propinas em que estarei envolvido. Eu prometo!
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