O palco é o coração do teatro, e cada pulso, um espetáculo. Só nos últimos 20 anos, mais de 15 mil espetáculos foram levados aos palcos do Teatro Guaíra, somando as produções dos corpos artísticos que compõem o centro cultural e as apresentações de artistas de renome nacional e internacional que passaram pelos palcos. Entre tantos espetáculos, há aqueles que são lembrados como importantes marcos históricos e outros, igualmente significativos, que permanecem no coração e na memória de quem acompanhou de perto cada montagem.
A magia das apresentações vai além da ficção. Há um elo entre as vidas imaginárias trazidas pelos artistas e as vidas reais dos funcionários que fazem o teatro acontecer. Nos bastidores, mais de 200 profissionais do Centro Cultural Teatro Guaíra, entre técnicos, artistas e equipe administrativa, trabalham incansavelmente para transformar sonhos em realidade, garantindo que cada apresentação mantenha ativo esse grande organismo vivo do teatro.
Diego Martins Avellleda, assessor da coordenação da Orquestra Sinfônica do Paraná e funcionário do teatro há 15 anos, lembra com carinho da primeira peça que assistiu na vida: “O Cerco da Lapa”, em 1994, quando tinha apenas cinco anos de idade. A composição foi escrita e dirigida por Oraci Gemba, autor e diretor teatral conhecido pela grandiloquência de suas obras.
A produção marcou não apenas pela história, mas também por um detalhe pessoal: o pai de Diego, o ator Danilo Avelleda, fazia parte do elenco. “Duas cenas me marcaram muito: a atuação do ator Maurício Vogue no papel de um soldado ferido e a cena da guerra. Essas lembranças me acompanham até hoje”, afirma Diego, que cresceu nas coxias do teatro. “Eu costumo dizer que tem linóleo na ponta dos meus dedos, de tanto que engatinhei por aqui. O Teatro Guaíra é a minha segunda casa e eu amo esse lugar”.
Shirley Terezinha da Conceição, que trabalha no teatro há quase 45 anos, também carrega lembranças inesquecíveis. Ela conta que cresceu profissionalmente, junto com o Teatro Guaíra. Começou aos 18 anos trabalhando de telefonista, depois passou para a secretaria do Curso Permanente de Teatro e ao departamento de produção do Balé Teatro Guaíra. “Meu pai começou a trabalhar aqui um ano antes de eu nascer e, depois, eu também vim para cá”, conta.
Atualmente, Shirley atua como coordenadora da área administrativa da Orquestra Sinfônica do Paraná. Ela se recorda do espetáculo que assistiu em 1976, a montagem do Teatro de Comédia do Paraná “Carla, Gigi e Margot”, com Yara Sarmento e Suzi Evangelista. Com esta peça, a atriz Yara Sarmento (1940-2019) recebeu o troféu Gralha Azul de melhor atriz na edição de 1976-1977. “Eu pouco entendia do espetáculo, mas lembro que as cenas e figurinos me marcaram muito. Eu vinha assistir as temporadas, todos os ensaios e todas as apresentações”, relembra.
Ela também fala com emoção do espetáculo “Blow Elliot Benjamin”, apresentado pela G2 Companhia de Dança, em 2011. A peça, criada pela diretora Cleide Piasecki, traz uma história intrigante que envolve personagens como um aviador, um serial killer e uma cantora de ópera. “Sou apaixonada pela história do Blow e foi um dos primeiros trabalhos que, na minha opinião, os bailarinos mostraram toda a sua potencialidade em representar não só com o corpo, mas com expressões, o que me chamou bastante atenção. Foi um espetáculo maravilhoso”, diz.
Em 2017, estreou a peça “Hoje é Dia de Rock”, indicada ao prêmio Botequim Cultural nas categorias de melhor direção e figurino. A produção foi dirigida por Gabriel Villela e, para a montagem do espetáculo, foram criadas mais de 100 peças, incluindo figurinos, cenários e adereços, todos com muitos detalhes criados pelo aderecista José Rosa.
Na plateia estava Grazianni Canalli, funcionário do Teatro Guaíra há 41 anos. Acostumado a estar nos palcos, o bailarino, que integra a G2 Companhia de Dança, fala com entusiasmo sobre o espetáculo. “Foi a primeira vez que eu vi um espetáculo do Teatro de Comédia do Paraná que tinha canto, com vários tons de voz e coreografia de dança, achei muito lindo”, diz.
Canalli participou da primeira montagem de um dos espetáculos mais marcantes da história do teatro, “O Grande Circo Místico”, criado especialmente para o Balé Teatro Guaíra em 1983. Baseado em um poema de Jorge de Lima, a história conta a saga de uma dinastia circense em uma corte europeia. O espetáculo foi um grande sucesso e, até hoje, é uma das obras mais lembradas. Foi também a que consagrou o Balé Teatro Guaíra, tornando a companhia famosa em todo o Brasil.
Quem acompanhou e se emocionou com a apresentação do bailarino no palco do auditório Bento Munhoz da Rocha, o Guairão, foi Gilberto Carbonar, funcionário mais antigo do Teatro Guaíra, em atividade há 49 anos. As músicas de “O Grande Circo Místico”, que estreou em 1983, foram compostas por Chico Buarque e Edu Lobo, especialmente para o Balé Teatro Guaíra. “Foi uma obra genial e memorável, tenho na cabeça todas as músicas até hoje”, diz Carbonar.
Ele começou como office boy no teatro aos 15 anos de idade e depois passou pela área artística. “Meu grande mestre nesta época foi Carlos Kur”, comenta Gilberto sobre o legendário cenógrafo, figurinista, iluminador e diretor de palco uruguaio que atuou por mais de 40 anos no teatro.
Hoje, Gilberto trabalha na área administrativa e, na sua sala, está pendurado um quadro com o fac-símile do cartaz de divulgação de “O Grande Circo Místico”. A obra também emociona Carbonar por tocar em memórias familiares, já que ele veio de uma família circense e guarda com carinho as memórias sobre a apresentação.
“Eu trabalhei também neste espetáculo no apoio, na área de direção técnica, coordenando os setores de maquinários, contrarregragem, iluminação e sonoplastia”. Ele também recorda da apresentação de Quebra-Nozes, em que fez uma pequena participação carregando a personagem Fada dos Doces. “Eu não aparecia no espetáculo, mas estava lá presente”, conta.
MOMENTO HISTÓRICO- Áldice Lopes, diretor Artístico do Teatro Guaíra, destaca outra produção importante: “Rasga Coração”, baseada no último texto escrito pelo dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, que faleceu algumas semanas após concluir a obra. A peça foi escrita em 1974, mas só estreou em 1979 por causa da censura da Ditadura Militar.
“Foi um momento histórico. A estreia em Curitiba foi um grande marco, pois estávamos em plena ditadura e a encenação provocou uma forte catarse no público”, lembra Lopes. A peça contou com grandes nomes do teatro, como Ary Fontoura, Raul Cortez, Maurício Távora e Lucélia Santos.
A estreia desta peça atraiu um grande número de pessoas, de várias cidades, críticos e artistas que vieram a Curitiba para assistir a nova montagem. “Eu era tenente no Exército, fui ao teatro para assistir esta peça que mudou a minha vida. Eu senti que queria estar naquele lugar, no palco, fazendo teatro. E desde então é onde estou”, conta.
Para Analaura de Souza Pinto, pianista da Orquestra Sinfônica do Paraná, uma das apresentações mais marcantes foi a de “Carmina Burana”, em 1990. Na época, além de tocar na orquestra, ela também ensaiava o coral. “Foi uma das maiores produções que fizemos, com coral adulto e infantil, dois pianos, celesta e um grande naipe de percussão. As filas para assistir ao espetáculo davam a volta no prédio do teatro. Foi uma produção muito disputada que impactou o público de uma forma única”, comenta Analaura.
A pianista se orgulha de estar desde o início dos trabalhos da orquestra, fundada em 1985. “Meu nome está na placa de bronze no saguão do Centro Cultural Teatro Guaíra. Tenho muito orgulho de estar neste memorial e ter participado do primeiro concurso público da Orquestra Sinfônica do Paraná”, completa.
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