Na quarta-feira (30/10), a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou proposta que prevê restrições para o porte e uso de celulares em escolas públicas e privadas do país. O PL 104/2015 tem como relator Diego Garcia (Republicanos-PR).
Nas últimas semanas, o debate sobre o uso de celulares nas escolas se intensificou, principalmente depois que o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou que o MEC estaria trabalhando em um Projeto de Lei (PL) para proibir o uso de celulares nas salas de aula.
A proposta chega em um momento em que várias pesquisas apontam efeitos negativos das telas no aprendizado e desenvolvimento de crianças e adolescentes, enquanto outras leis e projetos na mesma direção estão sendo implementados ou em discussão pelo país.
Segundo foi apurado pelo Estado de S. Paulo, é provável que o MEC nem chegue a elaborar um PL próprio, mas faça contribuições para alguma das propostas que já estão em tramitação, como a do PL 104/2015. O que foi confirmado pelo ministro também nesta quarta-feira em reunião ministerial do G20, em Fortaleza, como noticiou o G1.
Após a votação da Comissão de Educação, o texto agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois para o Senado.
Este PL prevê que o uso do celular seja proibido em todas as etapas da educação básica, durante as aulas, nos intervalos e no recreio, mas também define exceções para uso com fins pedagógicos e de acessibilidade, inclusão e condições médicas.
Já quanto ao porte do celular, o texto estabelece que ele seja proibido para crianças da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, com exceção para os estudantes com deficiência, e liberado para alunos dos anos finais e do ensino médio.
Alguns estados já contam com projetos de lei em vigor ou propostas em discussão para restringir os celulares no ambiente escolar, mas a implementação da medida ainda é complexa. De acordo com o ministro da Educação, Camilo Santana, um dos objetivos da criação de uma legislação nacional é garantir segurança jurídica para os estados/municípios que já contam com leis de proibição de celulares.
Alguns exemplos:
O que dizem as pesquisas sobre o uso dos celulares nas escolas?
Um dos documentos mais citados nas propostas que visam proibir celulares nas escolas é o relatório de Monitoramento Global da Educação, lançado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência), em 2023.
O documento alertou para o impacto negativo do equipamento quando usado de forma inadequada e excessiva. Tendo em vista que a escola é um ambiente com potencial de interação, o argumento é o de que o celular atrapalha a socialização dos estudantes.
A partir de dados de 14 países, a publicação aponta que apenas estar próximo de um celular pode distrair e prejudicar a aprendizagem do estudante.
O mesmo relatório da Unesco indica que 1 em cada 4 países possui leis para restringir o uso do celular na escola. França, Grécia, Estados Unidos, Finlândia, Dinamarca, Itália, Suíça, México, Espanha, Holanda e em algumas províncias no Canadá e estados na Austrália contam com políticas de restrição.
A TIC Educação 2023 apontou que, nas escolas que atendem estudantes no ensino fundamental e médio, 64% permite o uso de celulares em determinados espaços e horários. Em 28% das escolas, os alunos não podem usar os aparelhos.
A restrição do Wi-Fi é uma das medidas que as escolas usam para limitar o uso de telefone celular. Em 58% das escolas, o uso é restrito ou a rede Wi-Fi possui senha e os alunos não podem acessá-la, enquanto que 14% libera o uso para todos, incluindo alunos.
Dados do Pisa 2022 (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) mostraram que, a cada 10 alunos brasileiros, 8 afirmaram que se distraem com aparelhos de telefone celular durante as aulas de matemática, segundo matéria do UOL.
Como a proibição pode funcionar na prática?
Durante as aulas, é praticamente consenso que o celular deve ser proibido. Em várias escolas brasileiras, a proibição do uso do celular é posta em prática de diferentes maneiras, como aponta reportagem da Folha de S. Paulo.
Por exemplo, em São Paulo, uma escola privada adotou pochetes com fecho magnético para trancar o celular dos estudantes durante o período escolar, mas houve tentativas de violação das pochetes e os estudantes encontraram formas para burlar a medida, segundo matéria do G1.
Em outras escolas, os aparelhos são recolhidos e colocados em uma caixa, a qual os alunos não têm acesso no período de aula, enquanto algumas instituições nem permitem que os estudantes entrem no prédio com os aparelhos.
A segurança dos aparelhos e a vontade de alguns pais de estarem em contato com os filhos enquanto estão na escola são dois pontos levantados que mostram complexidade de se implementar a medida.
Em entrevista para a TV Cultura, a educadora Luciene Tognetta, líder do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral), da Unicamp/Unesp, aponta que os alunos e professores deveriam ser ouvidos na discussão. Por outro lado, alguns educadores defendem que o impacto dos celulares na educação é um problema urgente.
PARA A COBERTURA
- Caso o projeto de lei federal seja aprovado, estados e municípios seriam responsáveis pela formulação de medidas para pôr em prática a proibição dos aparelhos. Neste sentido, as reportagens podem acompanhar a elaboração e tramitação desses projetos e seus desdobramentos;
- Procure saber se o estado/município já conta com alguma lei em vigor ou proposta em tramitação para restringir ou proibir celulares e como está a adesão das escolas;
- A comunidade foi ouvida para a elaboração da lei ou do projeto? Educadores, professores e alunos foram ouvidos?;
- Outro caminho é apurar nas escolas que já proíbem os celulares o protocolo utilizado e como ele foi definido pela unidade, se houve discussão com os estudantes, professores e as famílias, se já mapearam resultados da medida e quais os principais desafios de implementação;
- Procure saber como os estudantes reagiram ou têm reagido à proibição dos aparelhos na escola, considerando que hoje muitas pessoas de todas as idade têm dependência em relação aos aparelhos celulares e ao ambiente virtual.
Educação digital e conectividade nas escolas
No contexto de proibição dos celulares nas escolas, outro aspecto relevante na cobertura é o aprofundamento sobre questões relacionadas ao uso de tecnologia nas escolas e a alfabetização digital dos estudantes.
Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) pontua que a medida do ministério deve considerar os objetivos da inclusão e da formação digital, e que escolas e educadores têm autonomia pedagógica sobre o uso de dispositivos digitais no projeto político-pedagógico escolar.
O professor da USP Daniel Cara, em matéria da Carta Capital, pontuou que a medida do ministério deve ser acompanhada de políticas robustas de inclusão digital e regulação do uso da tecnologia nas salas de aula.
É importante destacar que o desenvolvimento das competências digitais está presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no seu complemento sobre Computação- saiba mais sobre esse tema neste material da Jeduca. Está também no projeto de lei em tramitação do próximo Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê em seu 7º objetivo “educação digital para o uso crítico, reflexivo e ético das tecnologias da informação e da comunicação para o exercício da cidadania”.
A estratégia para cumprimento do objetivo do PNE prevê a garantia de “conectividade à internet de alta velocidade para uso pedagógico em 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas da educação básica até o quinto ano de vigência e em todas as escolas públicas da educação básica até o final do decênio”. Confira o documento completo aqui.
No PL 104/2015 e em outras propostas em vigor nos estados, o uso do celular é liberado caso seja com fins pedagógicos ou com orientação do professor.
Porém, uma questão levantada é que o celular é um aparelho de uso pessoal e intransferível e que, além de não ser recomendado para uso pedagógico, também não promove a integração entre os estudantes. As notificações de redes sociais e de conversas de WhatsApp também seriam distrações para eles.
Em dispositivos disponibilizados pelas escolas, como tablets, computadores e até mesmo celulares, é possível limitar as distrações.
Para o portal Lunetas, Bruno Ferreira, do Instituto Palavra Aberta, afirmou que o celular não deve ser parte do material didático uma vez que alguns estudantes possuem celular e outros não, sendo, portanto, um elemento de exclusão.
Ainda é preciso considerar que o uso de tecnologia na escola depende da conexão à internet de qualidade, formação docente e ao acesso a equipamentos.
PARA A COBERTURA
- Iniciativas que visam o uso consciente e reflexivo dos celulares, que vão além da proibição dos aparelhos, têm sido observadas em várias escolas, como mostraram texto do CGC Educação e matéria do A Crítica (AM). Nesse sentido, um caminho é analisar como diferentes abordagens estão sendo criadas nas escolas e os resultados dos projetos.
Dados e informações de apoio
- De acordo com a pesquisa Panorama da qualidade da internet nas escolas públicas brasileiras, do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, a partir de dados do Censo Escolar 2023, das 137.208 escolas públicas estaduais e municipais, 89% (121.416) possuem Internet. No entanto, apenas 62% (85.039) declaram ter acesso à internet para aprendizagem;
- Já a TIC Educação 2023 mostrou que, em 2023, 88% das escolas públicas possuíam computadores (notebooks, computadores de mesa e tablets), enquanto que 99% das escolas privadas contavam com esses equipamentos. Chama atenção a desigualdade no acesso a equipamentos entre escolas urbanas (99%) e rurais (75%).
- Em 2023, o MEC lançou a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, com o propósito de garantir o acesso à internet nas escolas públicas até 2026.
Para se aprofundar:
Celulares e saúde mental
A relação entre o tempo excessivo gasto em frente a telas, especialmente nas redes sociais, e disturbios para a saúde mental de jovens é outro aspecto levantado para apoiar a proibição ou limitação dos aparelhos na escola.
Em crianças e adolescentes, comportamentos agressivos, a anti-sociabilidade e a ampliação do bullying, que muitas vezes acontece no ambiente virtual, têm sido associados ao uso não moderado de telas, destacou matéria da Agência Brasil.
Uma pesquisa de 2019 correlacionou o maior tempo nas redes sociais e de aparelhos eletrônicos por adolescentes com o desenvolvimento de sintomas de depressão, segundo matéria veiculada no Nexo sobre o impacto negativo da exposição excessiva a telas.
Uma pesquisa de Oxford, citada em reportagem da Folha de S.Paulo, também encontrou ligação entre níveis altos de ansiedade e depressão em adolescentes com o tempo gasto em aplicativos de redes sociais. Na faixa etária de 16 a 18 anos, 60% dos jovens passam entre 2 a 4 horas nas redes sociais, apontou o estudo.
Em contrapartida, há pesquisadores que têm apontado falta de causalidade entre o uso de mídias sociais e o aumento de doenças mentais, conforme relatou outra matéria da Folha de S.Paulo, questionando inclusive Jonathan Haidt, psicólogo social americano autor do livro de sucesso “Geração Ansiosa”, que aborda a epidemia de transtornos mentais entre jovens.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, o tempo de uso de aparelhos celulares deve ser limitado de acordo com a idade da criança/adolescente. Para crianças de 6 a 10 anos, recomenda-se que o tempo de uso de smartphones seja de uma a duas horas por dia. O tempo recomendado para jovens entre 11 e 18 anos é de duas a três horas por dia.
Pesquisa Datafolha realizada em outubro deste ano, apontou que 62% da população apoia que o uso de celular na escola seja proibido durante as aulas e intervalos. Esse número é maior entre os pais de crianças com 12 a 18 anos (65%). Dos pais com crianças de até 12 anos, 43% disseram que os filhos têm seu próprio celular. No caso de jovens com até 18 anos, essa porcentagem é de 50%.
PARA A COBERTURA
- As reportagens sobre proibição de celulares na escola podem abordar os efeitos da medida na saúde mental dos estudantes;
- Mesmo com a proibição nas escolas, muitos estudantes ainda terão acesso aos aparelhos por tempo excessivo dentro de casa, portanto, trazer a importância de ações, projetos e iniciativas conjuntas entre poder público, escolas e as famílias para controlar o tempo gasto em frente às telas e os impactos negativos na saúde física e mental dos jovens pode apoiar o debate.
Para saber mais
Post original: https://jeduca.org.br/noticia/celulares-nas-escolas-pontos-de-atencao-para-a-cobertura
Com apuração de Isabella Siqueira
Atualizado em 30/10/2024, às 21h35
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