Sartre disse, no final da guerra, sobre o que cabia a cada um diante das adversidades brutais daquele momento: Não importa o que fizeram de nós. O que importa é o que faremos do que fizeram de nós.
A Educação brasileira passou, particularmente nos últimos quatro anos, por uma guerra desigual e injusta, uma guerra de corte de verbas, de congelamento de planos de carreira, de ataques ideológicos, de tentativas repetitivas de desmoralização da Universidade Pública e de desqualificação dos docentes. No entanto, apesar de os bombardeios recentes terem deixado muitos mortos e feridos, a guerra contra a Educação no Brasil é de longa data.
Conforme afirmou o antropólogo Darcy Ribeiro, o quadro de pauperização da nossa escola não é uma crise, mas um projeto. Um projeto que tem origem no nosso passado escravista, o construtor principal da sociedade de privilégios na qual estamos inseridos e que inscreve a lógica de que o avanço na Educação pública é uma ameaça a esses privilégios alicerçados na ignorância e na violência. Como bem demonstrou o filme de Anna Muylaert, Que horas ela volta?, o progresso material e intelectual das classes populares descortina toda a falácia da “superioridade” de uma parte da classe média brasileira, conivente com toda a exploração e preconceito com os mais pobres, mas que não tem, ela própria, substância, não tem estofo, exceto pelos símbolos de consumo que ostenta como troféus de latão envernizados de dourado.
A Educação é a arma principal da equidade capaz de tornar nosso país uma Nação de verdade, e não esse sistema feudal mal disfarçado, essa casa grande & senzala de prédios modernos e favelas carcomidas pela falta de serviços públicos, normalizados pela visão embaçada de quase toda gente, como se fosse parte da “nossa natureza”, indisfarçável natureza de um povo incapaz de se indignar com a sua incapacidade de garantir um mínimo para todos. Prova disso foram as jactâncias do ex-presidente, que afirmava que o “Brasil alimenta o mundo”. Ou não estamos no mundo, ou há uma parte do Brasil que não interessa que exista para essa gente.
E diante de tudo isso, a pergunta que se faz é: O que devemos fazer? Antes de cairmos na armadilha de sobrepor a esta pergunta outro questionamento, que é: Vale a pena fazer algo?, precisamos lembrar do adágio de Sartre. Se nos deixarmos ceder às dificuldades que são criadas exatamente para que confirmemos nossa suposta incapacidade, só perpetuaremos o estado de coisas que nos sufocam e amargam nossa terra com suas chuvas ácidas. Se nos deixarmos sucumbir aos discursos de que o "problema do Brasil são os brasileiros” e que não somos capazes de atingir os níveis de “países desenvolvidos”, discursos que só servem para legitimar quem explora, diminuindo assim o peso do explorar, como se fosse esse o nosso destino manifesto e que não há outro caminho, esquecendo, como já disse o poeta, de que o caminho se faz ao caminhar, aí, de fato, seremos sempre, para sempre, essa procissão de almas desacorçoadas.
Mas há um chamado possível, para além dessa má fé que é crer que somos assim porque não há como ser diferente. O chamado de que podemos escolher, a qualquer momento, o que queremos fazer com nossas vidas. E que escolher é a expressão mais essencial da nossa Liberdade e que a Liberdade é a marca mais indelével da nossa Humanidade.
Não importa o que fizeram até aqui com a Educação de nosso país. O que importa é o que faremos do que fizeram até aqui com a Educação de nosso país. Esse é o chamado. Necessário e urgente.
Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros
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